MESTRE ZAMPA: CULTURA, MEMÓRIA E RESISTÊNCIA QUILOMBOLA

No decorrer dos estudos no curso de Etnodesenvolvimento, a acadêmica Maria Luciene dos Santos realizou quatro anos de estudos na comunidade Quilombola de Bairro Alto, local de sua residência, e a partir de diversas observações, estudos, pesquisas e discussões no coletivo, foram identificadas algumas problemáticas da comunidade discutidas junto aos comunitário sobre o que poderia ser feito para resistir ao culturicídio no quilombo de Bairro Alto. A ideia foi de garantir que os saberes e conhecimentos do quilombo fiquem registrados para que as futuras gerações. Mas, não apenas registrar, pois precisavamos produzir, criar e construir conhecimentos no terreno da escola através de nossa cultura. Portanto, é importante considerar que as memórias e narrativas do mestre Zampa e de outros pioneiros, pioneiras, mestras e mestres sejam valorizados, compartilhados e fortalecidos para que esses conhecimentos e práticas não sejam esquecidos ou silenciados. Nas palavras de Maria Luciene dos Santos (pesquisadora): "Fazer o registro das narrativas e memórias do meu pai foi um desafio, porém, com a ajuda da comunidade, sob a orientação do prof. Reinaldo Marchesi, realizamos um trabalho coletivo. Desta forma surgiu a ideia da implantação do Espaço Cultural Mestre Zampa, que foi construido, e servirá de apoio aos comunitários, seja para exposições de confecções de artesanatos, utensílios utilizados no cotidiano dos moradores, trabalhos acadêmicos, e também desenvolver e incentivar a cultura do boi Bumbá, do carimbó, quadrilhas juninas, ladainhas entre outras atividades". A ideia é também promover o território ancestral como um espaço museológico, que permita uma visão de educação patrimonial que valorize os saberes/fazeres tradicionais para que as futuras gerações fortaleçam a cultura de resistência quilombola. PESQUISAS E REGISTROS - ACERVO DOCUMENTAL, ICONOGRÁFICO E AUDIOVISUAL SOBRE A VIDA E A OBRA DO MESTRE ZAMPA: 1) Histórico da Comunidade Quilombola de Bairro Alto; 2) Criação do Quilombo de Bairro Alto; 3) Famílias Pioneiras do Quilombo; 4) Mudanças e Transformações no Quilombo; 5) Atividades Econômicas e Cultura Alimentar na Comunidade; 6) Homenagem aos Mestres de Carimbó no Quilombo de Bairro Alto; 7) Zeferino Gonçalves dos Santos: vida e obra do Mestre Zampa; Composição Familiar do Mestre Zampa, trajetória escolar, casamento, filhos, netos e bisnetos; Formação do Grupo Unidos do Marajó; Mestre Zampa e o Boi Bumbá; 8) Músicas, rezas e ladainhas; 9) Atividades e ofícios na comunidade. Nesse sentido, no histórico das atividades, no decorrer das pesquisas para a construção deste trabalho, foram realizados diálogos com professores e professoras da EMEIF Quilombola de Bairro Alto, levando a proposta de considerar o espaço da cultura quilombola local no currículo e no Projeto Político Pedagógico (PPP) da escola, para se trabalhar com estudantes do primeiro ao quinto ano. Após ouvirem proposta do coletivo, o gestor e os professores da referida escola informaram que o currículo da escola é construído pela Secretaria Municipal de Educação, a qual repassa os conteúdos a serem ensinados na escola, sem considerar a autonomia pedagógica, visto que o organizador curricular é igual para todas as escolas do município, tanto do espaço urbano, como do espaço rural, quilombola e não quilombola. Diante de tal situação, ficou explicado que "cabe a cada professor adaptar os conteúdos de acordo com a realidade dos alunos", porém vemos que a escola trabalha apenas as datas comemorativas, como por exemplo, Dia da Consciência Negra, só no mês de novembro, ou próximo do dia 20, e assim por diante, pois se não seguirem o currículo vindo da secretaria, são chamados a darem explicações, sobre o motivo de não seguirem o cronograma da SEMED. Foi indagado o fato de nunca terem convidado o mestre Zampa para uma roda de conversa com os alunos, ou trabalhar um pouco das práticas do mestre ou de outras pessoas da comunidade. A resposta que obtivemos foi que em alguns momentos tentam, mas também não podem fugir totalmente do cronograma da SEMED. Após esses diálogo iniciais, a direção da instituição de ensino teve a iniciativa de reunir com a comunidade com a proposta de inserir no PPP a cultura quilombola local em destaque os saberes do Mestre Zampa. Mas para que isso acontecesse, era preciso as orientações dos técnicos da secretaria de educação tanto da Escola Polo (Benedito Thomaz Carneiro) quanto da SEMED para a construção do PPP. Nesse sentido, nos propusemos a trabalhar a cultura afro-brasileira na escola para dar visibilidade aos conhecimentos e às práticas desenvolvidas no quilombo, como forma de as crianças estudarem suas próprias realidades, fazendo reflexões críticas sobre o antes, durante e depois de nossas comunidades, da questão ambiental, da água, do alimento, dos racismos, da educação, da comunicação e dos direitos humanos, direitos da natureza e direitos dos animais, de diversos assuntos transversais. No propusemos a construir uma formação para valorizar a nossa identidade quilombola, assim, incentivando também a formação de futuros mestres e mestras da cultura popular. Sobre os trabalhos sobre da Casa de Cultura Mestre Zampa pararam pelo motivo de doenças e perdas de entes: primeiramente a mãe de Maria Luciene adoeceu e logo depois veio a óbito; em seguida ela própria ficou muito doente e; por último, o Mestre Zampa foi diagnosticado com problemas renais crônicos, passando a morar em Icoaraci, local onde fez a sua passagem em 22 de dezembro de 2022, nos deixando o seu legado. Diante das dificuldades expostas, Maria Luciene comentou: "Foi um desafio escrever algumas dessas memórias de meu pai, sobremaneira por vê-lo no leito de hospital em tratamento. O mestre fez a sua passagem e hoje, nós filhos, irmãos, netos, bisnetos, tataranetos, sobrinhos, primos e amigos, estamos com a missão de continuar tudo que o Mestre construiu dedicando 63 anos de sua vida ao Boi Bumbá entre outras atividades". Por fim, esperamos que nosso histórico de atuação na comunidade se fortaleça com o apoio de recursos que nos ajudem a organizar e ampliar o nosso projeto de Ponto de Memória.