Museu da Resistência Boa Esperança

Em 2007 a comunidade da Avenida Boa Esperança funda a Associação Centro de Defesa Ferreira de Sousa e, em 2014, com a ameaça iminente de remoção das famílias, inicia as discussões sobre a permanência e a preservação da sua história e cultura. Após a organização da comunidade frente às ameaças, o PNL apresentou diversos argumentos para justificar a remoção das moradias, no primeiro momento o argumento de remoção seria pela questão de melhoria da malha viária, ou seja, por conta da proposta de duplicação da Avenida Boa Esperança, tal argumento foi descoberto pela comunidade no site do Banco Mundial e elaborado em inglês. Com o enfraquecimento dessa alternativa, foram levantadas as hipóteses que a área alagava e que as casas estavam dentro da Área de Preservação Permanente (APP) do rio Parnaíba, ideia que foi mais uma vez rechaçada pela comunidade, por último a prefeitura construiu a afirmação de que a Avenida é um dique de proteção às enchentes, estando as casas construídas sobre esse ele sujeitas à retirada involuntária. Frente às justificativas do poder público municipal, a comunidade tem resistido e apresentado alternativas às ameaças de remoção. A cada investida e ameaça de remoção, a comunidade se organizava e articulava estratégias que variavam desde o reconhecimento dos modos de fazer e das tradições locais, oficinas de direito à cidade, até momentos festivos e de confraternização. Partindo dessas ações coletivas, as moradoras e moradores, após diversos encontros chegaram a ideia de juntar os objetos e memórias representativos da sua cultura e história dentro da comunidade, nesse sentido faltava o local para expor essas memórias, porém, não centralizando ou reproduzindo os museus tradicionais, onde o local de exposição seria um marco simbólico e o acervo do museu propriamente dito seria a comunidade, cada família, suas crenças, sua relação com seus quintais e as interligações entre essa população. Dentro dessa perspectiva, no próximo tópico detalhamos o processo de organização do museu da comunidade. Um museu de Resistência Os moradores da Avenida tem buscado se manifestar de diferentes formas, desde pinturas de frases e faixas nas fachadas das casas à criação de um museu. No entanto, esta instituição deveria ser diferente dos museus tradicionais que contam histórias de populações e sociedades que já não existem e que ficaram no passado, ou seja, um espólio do passado. O que se propõe com o museu da Avenida Boa Esperança é preservar o passado e fortalecer uma história perene, viva que acontece no presente. Assim, o Museu Comunitário da Esperança surgiu para cumprir uma demanda emergente das comunidades da zona norte de Teresina: a necessidade de manter viva a memória dos primeiros moradores da região, em um cenário que se apresenta como uma ameaça à memória ainda viva e que é preservada principalmente pelos mais velhos. De fato, a memória coletiva das comunidades tradicionais da zona norte sempre se manteve acesa principalmente através dos relatos orais, passados dos mais velhos para os mais novos. Neste sentido, e a partir da reflexão trazida por Pollak (1992) sobre os elementos constitutivos da memória individual e coletiva, é possível afirmar que hoje, na comunidade Boa Esperança, vive-se dois momentos paralelos e igualmente importantes, da constituição da memória local: se por um lado, o cenário de transformações da paisagem urbana e o avançado fluxo de remoções obrigatórias promovido pelo implantação do Programa Lagoas do Norte tem marcado a vida e consequentemente a memória individual de cada morador, a resistência comunitária utiliza-se da memória coletiva para firmar um sentimento de pertencimento dos moradores ao lugar onde vivem, sendo esta uma estratégia de unificação da luta dos moradores pela permanência no lugar onde vivem. Quando o PLN iniciou a execução de suas obras, provocando a fragmentação sociocultural das comunidades das lagoas do norte, rapidamente se articulou uma frente de resistência de moradores dispostos a lutar pelo direito de permanência no local. Este grupo inicial foi composto por idosos (acima de 60 anos), em sua maioria, além dos filhos(as) e netos(as) destes antigos moradores. Desde então, verificou-se a necessidade de fortalecer nos moradores mais jovens o sentimento de pertencimento à comunidade. Para isso, diversas atividade foram realizadas até os dias de hoje, visando uma maior socialização da história e da cultura local, tendo como ponto forte a memória das pessoas mais velhas. Como nos traz Pollak (1992) “É perfeitamente possível que, por meio da socialização política, ou da socialização histórica, ocorra um fenômeno de projeção ou de identificação com determinado passado, tão forte que podemos falar numa memória quase que herdada.” Entre as atividades desenvolvidas neste processo de socialização, o projeto ‘Mulheres nos Terreiros da Esperança’ proporcionou a troca de saberes entre as mulheres idosas e as crianças das comunidades das Lagoas do Norte, ocorrido no ano de 2017. Os 13 bairros atingidos diretamente pelo PLN hoje vivem uma sina de reforçarem seus vínculos coletivos, sob pena de que as vivências comunitárias se percam. Embora ainda não seja possível avaliar todos os impactos causados durante a primeira década de execução das obras de “revitalização” urbana da zona norte, tal projeto já deve ser visto como um ponto de inflexão na memória dos moradores da região, talvez tão traumatizantes quanto os impactos causados por desastres naturais.