Movimento Viva Reis

Movimento Viva Reis No Sertão do São Francisco o período de natal tem cores, sons, bailados, entremeios, figuras, caretas, Reis e rainhas. São os Reisados que guardam as memórias e tradições de tempos imemoriais, do tempo em que o primeiro jesuíta subiu o rio que é mar e encontrou o povo Coripós, Truká, Tamanquin, o povo de Inhanhum, e percebeu que a melhor forma de catequisar era através da dança e da música, elementos importantes na vida dos povos que habitam esse território desde quando o Ópara era ainda riacho. No seis de janeiro o menino jesus na lapinha de arroz, recebia os frutos da terra e em sua homenagem se cantava e dançava. A presença negra se misturou nesta cultura, as palmas, os batuques, os versos e a coroação de um rei de congo. O período, início de janeiro, era o tempo em que os povos escravizados nas antigas fazendas dos coronéis do gado, tinham de descanso, e assim nos Reisados relembravam seus reinados em além mar. Essa tradição ultrapassa séculos em Santa Maria da Boa Vista foram inventariados em 2013, cinco grupos de Reisados atuantes, o Reisado do Inhanhum – Patrimônio Vivo do Estado de Pernambuco, Reisado de Maria Jacinta, Reisado do Areal, Reisado do Curral Novo, Reisado da Comunidade Quilombola do Saruê, pelo menos quatro estão em memória, o da Comunidade Quilombola de Cupira, o da Jardineira, o da Boa Esperança e o de Antônia Ferro. Existe uma certa invisibilidade dos reisados em Pernambuco, a condição de a maioria dos grupos estar no sertão, muitas vezes em comunidades distantes é um dos elementos desse esquecimento, o projeto Viva Reis é pra lembra que os reisados existem, que eles estão aqui e fazem parte de identidade cultural do sertanejo. O projeto Viva Reis –Reisados do Sertão do São Francisco é espaço de fortalecimento, transmissão e difusão dos saberes tradicionais dos reisados de Pernambuco. É uma articulação de vários grupos com o objetivo de fortalecer a tradição dos reisados na região, visto que aqui, segundo o inventário dos reisados realizado pelo IPHAN | Fundarpe em 2013/2014 é o território com o maior número de grupos dessa manifestação no estado Pernambuco. O projeto possibilita troca de saberes, e integração entre os grupos afim de articular políticas e ações de salvaguarda e proteção a essa tradição que mobiliza os grupos em rodas de conversa, encontro de mestres, oficinas e culmina com o Encontro de Reisados do Sertão do São Francisco, conta com a participação de cinco grupos do município de Santa Maria da Boa Vista-PE, o Reisado do Areal, Reisado de Maria Jacinta, Reisado do Saruê, Reisado do Curral Novo e o Reisado do Inhanhum Patrimônio Vivo de Pernambuco, além do grupo de Reisado da Lagoa Comprida na cidade de Afrânio, e o Reisado de Senhorinha na Comunidade Mata da Caatinguinha em Orocó – PE. A ideia do projeto nasce em 2011, quando foi realizado na Comunidade Quilombola de Inhanhum o Encontro de Povos Tradicionais do Festival Pernambuco Nação Cultural | Fundarpe | SECULT, mais de 30 grupos de cultura popular da região participaram dessa atividade que foi um importante momento de reavivar e articular as manifestações. Numa das atividades desse encontro, Dona Maria Jacinta, 96 anos, Mestra de Reisado, contava nas rodas de conversa com jovens do Ponto de Cultura sobre como ela aprendeu a gostar de Reisado numa apresentação que ela assistiu com o avô, foi aprendendo e entrou no grupo da Mestra Antônia Ferro, colocou as filhas e a quase 60 anos festeja Santos Reis. Todo seis de janeiro participava da missa e seguiam de casa em casa cantando e louvando o Menino Deus. Mas via que a cultura do Reisado estava enfraquecendo, os mais novos não se interessavam, as famílias não chamavam mais pra se apresentar. Dessas conversas nasce a parceria para fortalecer a tradição, lado a lado os jovens e adolescentes e a Mestra Maria Jacinta com seu grupo, em janeiro de 2012 foi feita a exposição fotográfica “Meu Reino Vale um Tesouro Pra Quem Sabe Apreciar...”, e o cortejo pelas ruas do sitio histórico. No ano de 2013/ 2014, 4 dos grupos participaram do Inventário dos Reisados de Pernambuco, IPHAN | Fundarpe. A articulação cresce envolvendo os outros quatro grupos que se organizam e cobram em 2013 da gestão municipal a disponibilização de tecidos para confecção de figurinos e adereços. Em 2017 a Festa de Reis é organizada de forma que contemplasse oficinas de transmissão de conhecimentos, rodas de conversas sobre políticas públicas de cultura, encontro de mestres e encontro de reisados. Neste ano o Reisado da Comunidade de Inhanhum foi reconhecido como Patrimônio Vivo de Pernambuco, e contemplado no Prêmio Culturas Populares Leandro Gomes de Barros do Ministério da Cultura bem como o Reisado do Saruê, e a Mestra Maria Jacinta. Em 2018 o projeto recebe adesão de reisados de outras cidades, a exemplo de Curaçá-BA. O projeto se fortalece, os processos de transmissão de conhecimentos também, as oficinas “ Sementeiras de Reisados se espalham nas comunidades Quilombolas de Inhanhum e de Saruê, no território ribeirinho de Areal e Curral Novo, na sede o Reisado de Maria Jacinta fortalece a iniciativa juvenil “Reisado da Irmandade” que faz uma homenagem ao Reisado em memória da Mestra Antônia Ferro. Nas oficinas é trabalhado a história e o sentido dos reisados, a partir da história dos brincantes, como cada um começou na brincadeira, é interessante notar que as vezes o relato começa assim “ O mestre... foi lá em casa e pediu pra meu pai pra que eu participasse...”, percebe-se que já existia uma preocupação com essa transmissão da tradição. A oficina segue com o texto bíblico sobre o primeiro reisado, sobre os natais nas comunidades, as cantigas, as partes e as coreografias. Nas rodas de conversa é apresentado um tema que se relaciona com a Tradição, já foram realizadas rodas sobre políticas públicas de juventude, identidade cultural, Patrimônio Cultural, políticas públicas de cultura. É um espaço para debater e articular sobre ações e projetos, oficinas. Foi numa dessas conversas que surgiu a ideia de fazer uma apresentação em homenagem ao reisado da mestra Antônia Ferro, estavam presentes alguns bisnetos da mestra que participam de quadrilhas juninas, a ideia recebeu o apoio da mestra Maria Jacinta. O Encontro de Mestres é o momento de reunir mestres de Reis e também de outras manifestações que se relacionam como a Marujada e a banda de Pífanos. É espaço de valorização das histórias e saberes e propicio a transmissão dos conhecimentos, acontece no terreiro dos mestres e sempre uma escola é convidada. O Viva Reis – Encontro de Reisados do Sertão do São Francisco, é a culminância do projeto Viva Reis, inicialmente acontecia a Festa de Reis com os grupos de Santa Maria da Boa Vista, como a articulação com os grupos foi crescendo e os reisados de outras cidades como Orocó-PE, Curaçá-BA, Afrânio-PE, Lagoa Grande-PE, vieram participar, o encontro ganha dimensão regional. Em 2019, aconteceu no dia 11 de janeiro pois uma das reclamações dos grupos era a de que no dia 6 cada grupo realizaria a celebração em suas comunidades. Com uma programação que constava de celebração religiosa de Santos Reis, cortejo e apresentações, mais de 15 grupos participaram do encontro que tinha como objetivo fortalecer os reisados da região promovendo a interação entre os grupos. O Festival Viva Reis é espaço de apresentação, é o lugar de colheita dos frutos que foram semeados, plantados, regados, cultivados durante o ano. O Reisado de Dona Raimundinha da Comunidade Quilombola de Saruê apresentou o Reisado Mirim, a netinha de três anos aprendeu direitinho o “ajoelha, ajoelha, ajoelha com os pés no chão, quero ver minha bandeira em cidade de Sião...”. O Reis da Mestra Maria Jacinta se orgulha em trazer a cada ano novos integrantes para a brincadeira, contam para o público presente como foi participar do Festival Canavial e a homenagem recebida na cidade de Aliança-PE, o intercâmbio com o Maracatu Estrela de Outro em Chã de Camará. Dona Eleonora trouxe toda animada o reisado composto em sua maioria por adolescente e jovens. O Reisado do Inhanhum apresentou o resultado do projeto de manutenção apoiado pelo Funcultura, uma boniteza ver a criançada toda trajada, é a garantia de que o Reisado está vivo, se multiplicando. Para a mestra Maria Emília Lopes “ É muito bonito ver isso, eu nem imaginava que um dia a gente ia conseguir fazer uma coisa tão bonita que era trazer esses meninos pra brincar reisado. ”. O coletivo que faz a produção do projeto reúne jovens, mestres e brincantes de Reis, que se dividem em equipes pedagógica, e de produção. Em 2018, a festa cresce e aglutina diversos agentes culturais do município, artesãos, produtores culturais, gestores culturais, brincantes, se torna um Encontro da Cultura Popular do ciclo Natalino no Sertão do São Francisco, encerra o ciclo de natal e abre o calendário cultural do município. Movimenta os Grupos de Reis e toda rede em volta deles, os terreiros das mestras se tornam verdadeiros ateliês de confecção e reparos de figurinos, adereços, entremeios. É na brincadeira que se encontram, conversam, socializam. A festa é espaço pedagógico no sentido de que possibilita trocas, diálogos, transmissão de conhecimentos, é um palco onde desfilam os saberes, sonhos, memórias, vida, esperança e beleza pra enfrentar os desafios do dia a dia. A noite acontecem os ensaios onde se combinam as novidades para a apresentação, Dona Raimundinha trouxe uma borboleta nova, a Catirina, veio também os caretas “Dorme Sujo” e “Custódio”, a repartição do boi. O Reisado do Inhanhum trouxe as crianças que estão aprendendo a o oficio de reiseiro. É um momento em que os grupos renovam a tradição que para alguns tem mais de duzentos anos, e não para por aqui, o mês de janeiro é todo de apresentações e visitas nos bairros, comunidades, celebrando e festejando Santos Reis. A Festa é ainda lugar de propor e cobrar a política pública de cultura: Ana Lucia do Reisado da Comunidade Quilombola do Inhanhum cobrou do secretário de educação e ao prefeito que estavam presentes, que a cultura dos reisados fossem ensinada nas escolas, e que os mestres dessas culturas fossem contratados pra essas atividades, Alfredo Neto do Ponto de Cultura Nação Coripós chamou a atenção dos vereadores presentes para que pensassem uma lei do Patrimônio Vivo municipal, para garantir a manutenção desses grupos. Para o publico presente a celebração é oportunidade de acesso a um produto cultural gratuito, é lugar de reavivar a memória, e desencadear processos de pertencimento, valorização e preservação do patrimônio cultural imaterial do Vale do São Francisco, é a cultura viva pujante, um verdadeiro tesouro pra quem sabe apreciar. Em abril de 2019, as mestras articularam uma reunião com o Secretário de Cultura do Estado, Gilberto Freyre, entraram na sala cantando o reis de porta “Me abra essa porta se tem que abrir...”, em oficio solicitaram apoio para grupos da tradição dos reisado e outras manifestações do Ciclo de natal. Como resposta, no mês de dezembro do mesmo ano foi realizado o Projeto Natal das Tradições, Santa Maria da Boa Vista foi polo desse Projeto. Em janeiro de 2020 cada grupo realizou o festejo de Reis em sua comunidade e foi realizado o Encontro de Mestres. Muitas articulações estavam sendo feitas para participação dos grupos em encontros, festivais, intercambio e projetos, porém diante da pandemia essas ações foram suspensas. O Movimento acompanhou e auxiliou os grupos e mestre a acessarem os recursos da Lei Aldir Blanc nos municípios da região, algumas ações foram realizadas, como encontros virtuais, palestras, entre outros. Os Reisados são uma expressão cultural do povo pernambucano, especialmente os sertanejos, região onde se encontram a maioria dos grupos dessa tradição. Atualmente esse bem cultural está inventariado e foi encaminhado ao IPHAN o pedido de registro como patrimônio Imaterial Cultural do País, sendo considerado relevante. Em 2021, o Movimento Viva Reis realizou uma serie de formações e debates sobre Politicas Publicas de Cultura e os desafios na salvaguarda dos reisados, neste período o coletivo se reúne virtualmente para organização dos grupos e construção de diálogos entre grupos de municípios do estado de Pernambuco. Por muito tempo essa tradição foi invisibilidade no âmbito das politicas publicas de cultura, em parte pela distancia geográfica da capital, parte pela ausência de articulação dos grupos existentes. A realização do inventario em 2013/2014 joga luz sobre esses grupos que começam a dialogar e se organizar. Algumas ações e projetos foram desenvolvidos, mas, outras ações de salvaguarda ainda precisam ser desenvolvidas. O Movimento VIVA REIS que articula grupos do Sertão do São Francisco articula a construção de um espaço de memória dessa tradição. Em 2022, o Conselho Estadual de Preservação do Patrimônio Cultural (CEPPC/PE), vinculado à Secretaria de Cultura de Pernambuco (Secult-PE), acolhe a abertura do processo de reconhecimento do bem cultural, com início em 10 de setembro de 2022, formulada pelo coletivo Movimento Viva Reis. O desafio agora é fazer cultura popular nesse cenário, estamos firmes e acreditando que isso vai passar e que precisamos nos reinventar para manter viva a tradição. Ao longo dos anos, o Movimento Viva Reis promove: Ciclo de Formações do Projeto Sementeira de Reisado. Rodas de Diálogos em escolas públicas. Produção de material audiovisual, registro fotográfico e gravação de memórias dos mestres e brincantes de reisados. Mapeamento. Atividades de formação são ofertadas em parceria com o Ponto de Cultura Coripós (sede do coletivo Movimento Viva Reis): Oficina de adereços com brincantes de Reisados. Oficina de Elaboração de Projetos Culturais. Sementeira de Reisados (é uma proposta de transmissão de saberes tradicionais dos reisados do Sertão do São Francisco, para suas comunidades, possibilitando o surgimento de novos processos relacionados à manifestação cultural). Aula Espetáculo Sementeira de Reisado. O Encontro de Mestres da Tradição do Reisado do Sertão do São Francisco. Encontro de Reisados do Sertão (celebrado durante o Ciclo de Reis - dezembro e janeiro). Festa dos Santos Reis (janeiro). Exposições Fotográficas . Participação da Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco (Atividades formativas, rodas de conversa, vivência com os reisados).