EN LA BARCA

O coletivo EN LA BARCA completará em 2024 dez anos de atividades. Sua trajetória começa no Rio de Janeiro em 2014 com foco exclusivo na pesquisa de novas linguagens para a criação de produções teatrais. Em 2017 começou um estudo a partir da tradição do Teatro Documentário com iniciativas voltadas para os temas da Memória e da Cultura Popular. Desse estudo surgiu um amplo conjunto de peças teatrais, documentários audiovisuais e produção de conteúdos como podcasts, sites e revistas temáticas no formato impresso e digital. Coordenado pelos atores e pesquisadores Anna Fernanda Corrêa e Bruno Peixoto, já elaborou diversos projetos tendo no debate da preservação da Memória de processos históricos e sociais a sua principal marca trazendo à tona personagens, histórias e segmentos sociais cujas trajetórias são historicamente invisibilizadas. A pesquisa iniciada em 2017 já gerou 10 produções distintas listadas a seguir: - Antônio de Gastão - Memória é Trabalho (peça teatral - 2017) - Lugar de Cabeça Lugar de Corpo (intervenção cênico-documental - 2017) - A Casa e o Mundo lá fora - Cartas de Paulo Freire para Nathercinha (peça teatral - 2018) - Jacuba 1 - Cultura Popular - Teatro - Memória (revista nos formatos impresso e digital - 2020) - Um Certo Senhor Gabriel (documentário em audiovisual - 2021) - Jacuba 2 - Lugar de Cabeça - Lugar de Corpo - Lugar de Memória (revista no formato impresso e digital - 2021) - Entrada Franca aos Visitantes (intervenção cênico-documental - 2022) - Um Homem Sem Importância (documentário em audiovisual e peça teatral - 2022 - 2023) - Rosa (documentário em audiovisual - 2022) - Eleitor, Escuta! (peça teatral - 2023) Pode-se dividir essa trajetória em três ciclos distintos. O primeiro ciclo é pautado pela criação da Trilogia Documental - A Voz dos Anônimos. A trilogia é formada pelos projetos “Antônio de Gastão - Memória é Trabalho”, “Lugar de Cabeça Lugar de Corpo” e “A Casa e o Mundo lá fora - Cartas de Paulo Freire para Nathercinha”. Entre 2017 e 2019 foram realizadas centenas de apresentações gratuitas em museus, escolas, universidades, espaços comunitários, associações, sindicatos, espaços culturais independentes e teatros nas cidades do Rio de Janeiro, Cabo Frio, São Pedro da Aldeia, Arraial do Cabo, Niteroi, Rio das Ostras, Macaé, Campos dos Goytacazes e em Angra dos Reis, na Ilha Grande. Neste ciclo já está apontada uma base de pesquisa e produções que transitam entre os territórios da Região dos Lagos e do Rio de Janeiro. “Antônio de Gastão - Memória é Trabalho” é uma peça criada a partir da trajetória do artista popular cabo-friense Antônio de Gastão e o início de sua circulação teve forte atuação nos espaços culturais e pedagógicos da Região dos Lagos, além de curtas temporadas no Rio de Janeiro e em Niteroi. “Lugar de Cabeça Lugar de Corpo” é criada a partir de uma residência no Instituto Municipal Nise da Silveira e realizou dezenas de apresentações no Espaço Travessia (um dos braços do Instituto). O trabalho parte de relatos de mulheres que viveram a experiência manicomial para debater os rumos e os limites da Reforma Psiquiátrica brasileira. As apresentações reuniram usuários, familiares e profissionais e estudantes da rede pública de saúde mental, além da comunidade do Engenho de Dentro e diversos interessados no tema. A primeira versão de “A Casa e o Mundo lá fora - Cartas de Paulo Freire para Nathercinha” parte de um episódio desconhecido da vida do educador Paulo Freire para debater as possibilidades da educação popular através do estudo do experimento de Angicos / RN, em 1963, quando Paulo Freire e sua equipe alfabetizaram toda a cidade com o método das 40 horas. O projeto realizou dezenas de apresentações no estado do Rio de Janeiro e em São Paulo com foco na presença maciça em escolas e universidades. O segundo ciclo é marcado pelas ações desenvolvidas durante o período pandêmico entre 2020 e 2021. Entre 2020 foi criada a primeira edição da revista digital “Jacuba” com foco na trajetória do artista popular Gabriel Joaquim dos Santos, de São Pedro da Aldeia-RJ Do estudo para essa publicação surgem as bases para a produção do documentário em audiovisual “Um Certo Senhor Gabriel” , criado em 2021. Também neste ano produzimos a segunda edição da revista digital “Jacuba” com foco nos desdobramentos na residência no Instituto Municipal Nise da Silveira, no Rio de Janeiro. Jacuba 2 - Lugar de Cabeça - Lugar de Corpo - Lugar de Memória parte da experiência das dezenas de apresentações realizadas no Espaço Travessia para traçar um painel sobre a Reforma Psiquiátrica e a Luta Antimanicomial. Ainda neste ciclo produzimos a segunda versão de “A Casa e o Mundo lá fora - Cartas de Paulo Freire para Nathercinha”. O marco da pesquisa para a criação desta nova versão foi a realização de uma pesquisa de campo na cidade de Angicos / RN, onde entrevistamos educadores e ex-alunos de Paulo Freire impactados pelo experimento realizado em 1963. Os relatos e testemunhos foram incorporados na dramaturgia do trabalho e sua reestreia foi realizada no no final de 2021 no antigo prédio da UNE, no Rio de Janeiro, rebatizado de Centro Cultural da Democracia. O terceiro ciclo é dedicado às produções realizadas depois do período pandêmico, entre 2022 e 2023. Neste ciclo intercalam-se projetos documentais realizados para o teatro e para o formato audiovisual. “Entrada Franca aos Visitantes” é um desdobramento da pesquisa realizada em “ Lugar de Cabeça Lugar de Corpo”. Junto do Projeto Trajetórias e do Espaço Travessia, a En La Barca ampliou o projeto “ Lugar de Cabeça Lugar de Corpo” tornando-o uma imensa ocupação nas dependências do Oi Futuro, no Rio de Janeiro, mesclando uma exposição, a criação de uma nova peça teatral sobre o tema e a intervenção cênico-documental “Entrada Franca aos Visitantes” criada a partir do aprofundamento da pesquisa no Teatro Documentário e no diálogo com a exposição que reunia obras de usuários da rede pública de saúde mental com artistas especialmente convidados para criar obras que debatiam o tema da Reforma Psiquiátrica. No audiovisual foram criados concomitantemente o documentário “Rosa” e o experimento documental “Um Homem Sem Importância”. O documentário “Rosa” retrata a trajetória da poetisa e trabalhadora do campo Rosa Geralda da Silveira, nascida no Quilombo da Caveira, em São Pedro da Aldeia. Rosa teve papel de destaque na luta pelo direito do trabalho na terra na Região dos Lagos, tornando-se a primeira mulher a ser tornar uma liderança sindical ao participar da criação do primeiro sindicato dos trabalhadores da terra na Região dos Lagos, no final dos anos 1950. O experimento audiovisual “Um Homem Sem Importância” foi gravado no Teatro Luis Peixoto, na Escola Técnica de Teatro Martins Pena. Relata episódios desconhecidos da história recente do teatro brasileiro a partir da carta escrita pelo dramaturgo Leo Lama para o seu pai, o também dramaturgo Plínio Marcos no dia da sua morte. O experimento audiovisual criado em 2022 foi transposto para os palcos em 2023 dentro da mostra "O Teatro como Documento", produzida pela En La Barca, que também reunia o solo documental inédito “Eleitor, Escuta!” em uma curta temporada no Teatro Dulcina, no Rio de Janeiro. A amplitude de temas presente neste histórico não deve esconder o elemento fundamental que os une. O Teatro Documentário, tradição teatral com pouca presença no cenário brasileiro, é considerado por seus principais formuladores como um elemento da vida pública. E a sua principal demanda social está na investigação de processos históricos e sociais desconhecidos da sociedade. A matéria principal desta tradição é a Memória e costumamos descrever o nosso trabalho como uma pesquisa que começa da reconstrução de memórias individuais para reconstruir uma memória coletiva. O fazer teatral não ocupa mais o foco exclusivo das nossas atividades, mas continua sendo sendo a base de nossos processos e de nossa prática política, pedagógica e artística. E historicamente, o teatro precisa ser itinerante, o que fez e faz com que nossas relações com os territórios que ocupamos sejam baseadas nos movimentos das circulações de nossos projetos e nos ciclos de pesquisa e produção em cada comunidade. Isso determinou neste período o trânsito de nossas atividades que se iniciam em um núcleo urbano na cidade do Rio do Janeiro com os projetos criados a partir das temáticas da educação popular e da luta antimanicomial e uma forte presença na Região dos Lagos (terra natal dos coordenadores da En La Barca), em especial nas cidades de Cabo Frio, São Pedro da Aldeia e Arraial do Cabo com projetos ligados ao debate da defesa da identidade cultural dessas cidades através de trabalhos que resgatam para as novas gerações, a trajetória de artistas populares que melhor representaram o modo de vida caiçara e a cultura popular desses territórios.